26/08/2014

O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Material Extraído dos Cadernos Pedagógicos da UDESC
CONTEÚDO E METODOLOGIAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS

Elaboração
Isabel Cristina da Cunha
Janice Miot Silva
Marise Borba da Silva
Colaboração
Maria Juliani Nesi
Florianópolis, junho de 2003.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A partir do diagnóstico realizado pela COEDI/MEC - Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas da Educação Infantil, das propostas pedagógicas e dos currículos de vários estados e municípios brasileiros em 1996, pode-se observar alguns dados importantes.
A maioria das propostas analisadas concebe a criança como um ser social, psicológico e histórico, e tem, no Construtivismo, sua maior referência teórica. Há, ainda, o universo cultural da criança que é o ponto de partida para uma educação democrática e transformadora da realidade, que objetiva a formação de cidadãos críticos. Ao mesmo tempo, constata-se um grande desencontro entre os fundamentos teóricos adotados e as orientações metodológicas.
Não são explicitadas as formas que possibilitam a articulação entre o universo cultural das crianças, o desenvolvimento infantil e as áreas do conhecimento. Este aspecto sugere a necessidade de um investimento maior de pesquisas na área da Educação Infantil, pois existe uma carência, por parte do professor, em metodologias e referências para seu trabalho.
Com o objetivo de tornar visível uma possível forma de articulação, a estrutura do Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil relaciona objetivos gerais e específicos, conteúdos e orientações didáticas, numa perspectiva de operacionalização do processo educativo.
Embora as crianças desenvolvam suas capacidades de maneira heterogênea, a educação tem por função criar condições para o desenvolvimento integral de todas as crianças, considerando, também, as possibilidades de aprendizagem que apresentam nas diferentes faixas etárias. Para que isso ocorra, faz-se necessário uma atuação que propicie o desenvolvimento de capacidades, envolvendo aquelas de ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social. Para que se possa atingir os objetivos é necessário selecionar conhecimentos que auxiliem o desenvolvimento destas capacidades.
Torna-se importante ressaltar que na educação infantil, as primeiras noções sobre Ciências Naturais não devem ser programadas e estruturadas de forma sequencial e disciplinar, nos moldes dos demais níveis de ensino. No entanto, por se tratar de um espaço formal da educação básica, em que a criança deve ser cuidada, mas também educada, a observação que ela faz constantemente da realidade natural e social que a cerca, bem como as relações que estabelece com os elementos ou fenômenos dessa realidade é que compõe o quadro conceituai de referência que o professor deve considerar para programar esse espaço educativo, já que não se pode pretender desenvolver a inteligência sem conhecimentos.
Segundo Hilda Weissmann (l 998), em seu livro, Didática das Ciências Naturais, a possibilidade de ensinar deve estar acompanhada da possibilidade de aprender. Muitas vezes, colocam-se dúvidas à criança, quando ela ainda não tem construído uma estrutura formal de pensamento que possa compreender as teorias científicas.
Embora tal argumento pareça consistente, ele encobre duas questões. A primeira delas refere-se à caracterização do objeto de estudo, ou seja, da Ciência. Quando sustentamos a idéia de que as crianças não podem aprender Ciências Naturais, estamos identificando a ciência escolar com a ciência dos cientistas. E a ciência escolar não é a ciência do cientista, pois deve existir um processo de transformação, ou transposição didática do conhecimento científico para que possa ser trabalhado com as crianças.
A segunda questão refere-se ao lugar que é atribuído às estruturas cognoscitivas, no processo de aprendizagem escolar. Quando as impossibilidades associadas à falta de pensamento formal são apontadas, costuma-se ficar preso no que Elenos Duckworth (1978) formulou como um falso dilema e que deu nome ao conhecido artigo: "Ou ensinamos cedo demais (o aluno) e não consegue aprender, ou tarde demais e ele já sabe".
Na educação infantil, é possível ampliar e enriquecer as idéias espontâneas e os conhecimentos prévios das crianças, de forma a conseguir uma aproximação com os conhecimentos científicos.
Para atuar de forma adequada, o professor da Educação Infantil necessita do conhecimento da Ciência Natural, a fim de que sua intervenção diária, de forma continuada e/ou por meio de projetos de trabalho, possibilite à criança um primeiro contato com o conhecimento científico. Porém, é necessário também, possuir conhecimentos sobre o desenvolvimento infantil, para que proponha trabalhos que utilizem linguagem adequada à estrutura cognitiva em que a criança se encontra.
Portanto, quando se afirma que, na Educação Infantil, não há conteúdos de Ciências Naturais, queremos dizer que esses conteúdos não são aquela sequência de conteúdos presentes num livro didático para as séries iniciais, por exemplo, mas são os que aparecem nas atividades e diálogos das crianças. Esse trabalho requer do profissional mais competência e habilidade do que se supõe.
Portanto, aprender ciências é aprender a pensar conceitualmente, não só sobre os fatos que as crianças observam (mudanças que ocorrem com o seu corpo, diferenças entre meninos e meninas, noite, dia, sol, chuva), mas também sobre as hipóteses explicativas que comunicam entre si e aos adultos (quando dá trovoada é porque o papai do céu está bravo, a cegonha trouxe meu irmãozinho), tornando-se capazes de considerar outras explicações divulgadas pêlos colegas, pelo professor e pêlos livros, percebendo as diferenças que existem entre as várias teorias e, aos poucos, incorporando elementos que tornem suas explicações mais amplas.
Apesar de os conhecimentos de Ciências Naturais trabalhados na Educação Infantil não estarem previamente estruturados em programas disciplinares, isso não significa que o professor deva agir com espontaneísmo, isto é, esperar que a criança pergunte o que quer saber. Portanto, considera-se importante que o professor tenha condições de:
ü  programar atividades adequadas à fase cognitiva em que se encontram as crianças e que promovam a observação e a curiosidade;
ü  considerar as explicações que as crianças dão ao que observam e às hipóteses formuladas;
ü  registrar as teorias e hipóteses que aparecem nos diálogos e nas brincadeiras das crianças, para que sejam usadas em projetos de trabalho;
ü  propor atividades, individualmente ou em grupos, que façam com que as crianças pensem nos fatos observados, sob outros pontos de vista;
ü  organizar atividades para que as crianças tenham oportunidade de verificar suas próprias hipóteses;
ü  possibilitar às crianças o contato com outras formas de explicar os mesmos fatos (historinhas, filmes, livros), ampliando seus conhecimentos sobre os temas, sempre partindo das experiências do seu cotidiano;
ü  favorecer, em qualquer situação, a discussão em grupo, colocando-se como um informante capaz de fazer a mediação adequada entre as crianças e entre elas e o conhecimento;
ü  ampliar seus conhecimentos sobre os temas que trabalhará com as crianças, sempre partindo do que já sabe sobre eles, sejam conhecimentos da vida escolar o do próprio cotidiano.
É importante que os temas escolhidos para projetos surjam das necessidades das crianças, ou ainda que surjam de algum fato que desperte a curiosidade das mesmas. Porém, o professor não deve portar-se como refém das observações das crianças, esperando passivamente que estas surjam de forma espontânea, mas deve, intencionalmente, interferir com projetos de trabalho adequados à promoção do pensamento das crianças sobre os fatos que podem despertar sua curiosidade (atividades de campo, jogos, brincadeiras).
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil concebe os conteúdos (que preferimos chamar de conhecimentos), como um meio para que as crianças desenvolvam suas capacidades e exercitem sua maneira própria de pensar, sentir e ser, ampliando suas hipóteses acerca do mundo ao qual pertencem e se constituindo em um instrumento para a compreensão da realidade. Os conhecimentos abrangem, para além de fatos, conceitos e princípios, também aqueles relacionados a procedimentos, atitudes, valores e normas como objetos de aprendizagem. A explicitação de conhecimentos de naturezas diversas aponta para a necessidade de se trabalhar de forma intencional e integrada.
Essa abordagem é didática e visa a destacar a importância de se dar um tratamento apropriado aos diferentes conhecimentos, instrumentalizando o planejamento do professor para que possa contemplar as seguintes categorias que devem ser apreendidas pelas crianças:
ü  conceituais que dizem respeito a conceitos, fatos e princípios;
ü  procedimentais que se referem ao saber fazer e
ü  atitudinais que estão associados a valores, atitudes e normas.

Vamos discorrer um pouco sobre cada uma dessas categorias:

Conceituais

Referem-se à construção ativa das capacidades para operar com símbolos, idéias, imagens e representações que permitem atribuir sentido à realidade. Deve-se ter claro que alguns conceitos são possíveis de serem apropriados ou construídos, pelas crianças, durante o período da educação infantil. Outros não, e estes necessitarão de mais tempo.
As atividades exploratórias, em que as crianças observam, manipulam objetos, reconhecem as causas de alguns fenômenos auxiliam na elaboração de conceitos. As primeiras explicações podem e devem ser simples. Lua, som, água, ar, vidros, telhas, flores, comida, animais, reprodução, corpo humano, sabonete, lixo, tudo isso e muito mais coisas fazem parte da vida da criança e são tratados como se não fizessem O contato direto com os objetos, seres e fenômenos estimula a curiosidade e o interesse das crianças, que devem ser aproveitados na exploração da realidade.

Procedimentais

A aprendizagem de procedimentos está diretamente relacionada à possibilidade da criança construir instrumentos e estabelecer caminhos que lhes possibilitem a realização de suas ações, saber manipular corretamente os objetos de uso cotidiano que existem à sua volta, por exemplo, é um procedimento fundamental, que responde às necessidades imediatas para inserção no universo mais próximo. E o caso de vestir-se, escovar os dentes ou amarrar os sapatos, que se constituem em ações importantes no processo de conquista da independência.
A criança segue hábitos de higiene e saúde que devem fazer parte da sua realidade e, por isso, lhe são ensinados ou aprimorados. Na Educação Infantil esses procedimentos são normatizados e questionados, visando a melhoria da qualidade de vida da criança e de sua família.

Atitudinais

As atitudes tratam dos valores e das normas. As instituições educativas têm uma função básica de socialização e, por esse motivo, têm sido sempre um contexto gerador de atitudes. Isso significa que os valores impregnam toda a prática educativa e são aprendidos pelas crianças, ainda que não sejam considerados como conteúdos a serem trabalhados explicitamente, isto é, ainda que não sejam trabalhados de forma consciente e intencional. A falta de coerência entre o discurso e a prática é um dos fatores que promove o fracasso do trabalho com os valores e com a ética. Deve-se ter em conta que, por mais que se tenha a intenção de trabalhar com atitudes e valores, nunca a instituição dará conta da totalidade do que há para ensinar. Na Educação Infantil, os valores são aprendidos muito mais pela imitação do que pelo discurso.
Para a Educação Infantil, os conhecimentos são apresentados nos diversos eixos de trabalho, organizados por blocos, muitos deles encontram-se contemplados em mais de um eixo, apontando para o tratamento integrado que deve ser dado. É importante que o professor considere as possibilidades que esses conhecimentos oferecem para o avanço do processo de aprendizagem e para a ampliação de conhecimento que possibilita. Muitos são os temas pêlos quais as crianças se interessam. As vivências sociais, as histórias, os modos de vida, os lugares e o mundo natural são para as crianças parte de um todo integrado.
O eixo de trabalho denominado Natureza e Sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e natural, que estará mais relacionado com o ensino de Ciências da Natureza ou Ciências Naturais.
Dada a grande diversidade de temas que este eixo oferece, é preciso estruturar o trabalho de forma a escolher os assuntos mais relevantes para as crianças e o seu grupo social.
A aprendizagem de fatos, conceitos, procedimentos, atitudes e valores não se dá de forma descontextualizada. O acesso das crianças ao conhecimento elaborado pelas ciências é mediado pelo mundo social e cultural, contudo, o professor precisa ter claro que o domínio do conhecimento não se consolida nesta etapa educacional, isto é, os conceitos são construídos gradativamente.
É importante que as crianças tenham contato com diferentes elementos, fenômenos e acontecimentos do mundo, sejam instigadas por questões significativas e tenham acesso a modos variados de compreendê-las e representá-las.
As crianças devem, desde pequenas, ser instigadas a observar fenômenos, relatar acontecimentos, formular hipóteses, prever resultados para experimentos, conhecer diferentes contextos históricos e sociais, tentar localizar-se no espaço e no tempo. Podem também trocar idéias e informações, debatê-las, confrontá-las, distingui-las e representá-las, aprendendo, aos poucos, como se produz um conhecimento novo ou por que idéias mudam ou permanecem. É importante, ainda, que o professor tenha noção de alguns objetivos do ensino de Ciências Naturais na Educação Infantil.

Os objetivos propostos pelos PCN são os seguintes:

• Crianças de zero a três anos
A ação educativa deve se organizar para que as crianças, ao final dos três anos, tenham desenvolvido as seguintes capacidades:
ü  explorar o ambiente, para que possa se relacionar com pessoas, estabelecer contato com pequenos animais, com plantas e com objetos diversos, manifestando curiosidade e interesse.

• Crianças de quatro a seis anos
Para esta fase, os objetivos estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser aprofundados e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam capazes de:
ü  interessar-se e demonstrar curiosidade pelo mundo social e natural, formulando perguntas, imaginando soluções para compreendê-lo, manifestando opiniões próprias sobre os acontecimentos, buscando informações e confrontando idéias;
ü  estabelecer algumas relações entre o modo de vida característico de seu grupo social e de outros grupos;
ü  estabelecer algumas relações entre o meio ambiente e as formas de vida que ali se estabelecem, valorizando sua importância para a preservação das espécies e para a qualidade da vida humana.
Isso não significa dizer que outros objetivos não possam ser definidos, de acordo com o contexto ou mesmo com o interesse das crianças.
Reforçando o que foi dito até aqui, é importante que alguns temas sejam enfatizados na educação infantil, como por exemplo, higiene, saúde e qualidade de vida; a importância dos alimentos e dos seres vivos; as relações sociais; a tecnologia; noções de ecologia e de educação ambiental; a preservação, promoção e valorização da vida, entre outros.

ATIVIDADE 1 – RESPONDA

1. Explique o conceito de espontaneísmo curricular aludido no texto.
2. Redefina com suas palavras o que se espera que o professor de educação infantil seja capaz em relação ao procedimentos para definição didática e curricular das atividades a serem desenvolvidas com as crianças.
3. Exemplifique praticamente as habilidades a serem desenvolvidas nas crianças nos aspectos:
a. conceituais
b. procedimentais
c. atitudinais
4. Leia com atenção a parte final do texto e analise comparativamente quais aspectos diferenciam os objetivos do ensino de ciências nas diferentes faixas etárias propostos pelos PCN.
5. Explique a concepção de que as crianças são seres sociais, psicológicos e  históricos. A qual corrente pedagógica esta concepção está associada?


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