Material
Extraído dos Cadernos Pedagógicos da UDESC
CONTEÚDO
E METODOLOGIAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS
Elaboração
Isabel Cristina da Cunha
Isabel Cristina da Cunha
Janice
Miot Silva
Marise
Borba da Silva
Colaboração
Maria Juliani Nesi
Maria Juliani Nesi
Florianópolis,
junho de 2003.
CONSIDERAÇÕES
SOBRE O ENSINO DE CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
A partir do diagnóstico realizado pela
COEDI/MEC - Coordenação Geral de Estudos e Pesquisas da Educação Infantil, das
propostas pedagógicas e dos currículos de vários estados e municípios brasileiros
em 1996, pode-se observar alguns dados importantes.
A maioria das propostas analisadas
concebe a criança como um ser social, psicológico e histórico, e tem, no
Construtivismo, sua maior referência teórica. Há, ainda, o universo cultural da
criança que é o ponto de partida para uma educação democrática e transformadora
da realidade, que objetiva a formação de cidadãos críticos. Ao mesmo tempo,
constata-se um grande desencontro entre os fundamentos teóricos adotados e as
orientações metodológicas.
Não são explicitadas as formas que
possibilitam a articulação entre o universo cultural das crianças, o
desenvolvimento infantil e as áreas do conhecimento. Este aspecto sugere a
necessidade de um investimento maior de pesquisas na área da Educação Infantil,
pois existe uma carência, por parte do professor, em metodologias e referências
para seu trabalho.
Com o objetivo de tornar visível uma
possível forma de articulação, a estrutura do Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil relaciona objetivos gerais e específicos, conteúdos e
orientações didáticas, numa perspectiva de operacionalização do processo
educativo.
Embora as crianças desenvolvam suas
capacidades de maneira heterogênea, a educação tem por função criar condições
para o desenvolvimento integral de todas as crianças, considerando, também, as
possibilidades de aprendizagem que apresentam nas diferentes faixas etárias.
Para que isso ocorra, faz-se necessário uma atuação que propicie o
desenvolvimento de capacidades, envolvendo aquelas de ordem física, afetiva,
cognitiva, ética, estética, de relação interpessoal e inserção social. Para que
se possa atingir os objetivos é necessário selecionar conhecimentos que
auxiliem o desenvolvimento destas capacidades.
Torna-se importante ressaltar que na
educação infantil, as primeiras noções sobre Ciências Naturais não devem ser
programadas e estruturadas de forma sequencial e disciplinar, nos moldes dos
demais níveis de ensino. No entanto, por se tratar de um espaço formal da
educação básica, em que a criança deve ser cuidada, mas também educada, a
observação que ela faz constantemente da realidade natural e social que a
cerca, bem como as relações que estabelece com os elementos ou fenômenos dessa
realidade é que compõe o quadro conceituai de referência que o professor deve
considerar para programar esse espaço educativo, já que não se pode pretender
desenvolver a inteligência sem conhecimentos.
Segundo Hilda Weissmann (l 998), em
seu livro, Didática das Ciências Naturais, a possibilidade de ensinar deve
estar acompanhada da possibilidade de aprender. Muitas vezes, colocam-se
dúvidas à criança, quando ela ainda não tem construído uma estrutura formal de
pensamento que possa compreender as teorias científicas.
Embora tal argumento pareça
consistente, ele encobre duas questões. A primeira delas refere-se à
caracterização do objeto de estudo, ou seja, da Ciência. Quando sustentamos a
idéia de que as crianças não podem aprender Ciências Naturais, estamos
identificando a ciência escolar com a ciência dos cientistas. E a ciência
escolar não é a ciência do cientista, pois deve existir um processo de
transformação, ou transposição didática do conhecimento científico para
que possa ser trabalhado com as crianças.
A segunda questão refere-se ao lugar
que é atribuído às estruturas cognoscitivas, no processo de aprendizagem
escolar. Quando as impossibilidades associadas à falta de pensamento formal são
apontadas, costuma-se ficar preso no que Elenos Duckworth (1978) formulou como
um falso dilema e que deu nome ao conhecido artigo: "Ou ensinamos cedo
demais (o aluno) e não consegue aprender, ou tarde demais e ele já
sabe".
Na educação infantil, é possível
ampliar e enriquecer as idéias espontâneas e os conhecimentos prévios das
crianças, de forma a conseguir uma aproximação com os conhecimentos
científicos.
Para atuar de forma adequada, o
professor da Educação Infantil necessita do conhecimento da Ciência Natural, a
fim de que sua intervenção diária, de forma continuada e/ou por meio de
projetos de trabalho, possibilite à criança um primeiro contato com o
conhecimento científico. Porém, é necessário também, possuir conhecimentos
sobre o desenvolvimento infantil, para que proponha trabalhos que utilizem
linguagem adequada à estrutura cognitiva em que a criança se encontra.
Portanto, quando se afirma que, na
Educação Infantil, não há conteúdos de Ciências Naturais, queremos dizer que
esses conteúdos não são aquela sequência de conteúdos presentes num livro
didático para as séries iniciais, por exemplo, mas são os que aparecem nas
atividades e diálogos das crianças. Esse trabalho requer do profissional mais
competência e habilidade do que se supõe.
Portanto, aprender ciências é aprender
a pensar conceitualmente, não só sobre os fatos que as crianças observam
(mudanças que ocorrem com o seu corpo, diferenças entre meninos e meninas,
noite, dia, sol, chuva), mas também sobre as hipóteses explicativas que
comunicam entre si e aos adultos (quando dá trovoada é porque o papai do céu
está bravo, a cegonha trouxe meu irmãozinho), tornando-se capazes de considerar
outras explicações divulgadas pêlos colegas, pelo professor e pêlos livros,
percebendo as diferenças que existem entre as várias teorias e, aos poucos,
incorporando elementos que tornem suas explicações mais amplas.
Apesar de os conhecimentos de Ciências
Naturais trabalhados na Educação Infantil não estarem previamente estruturados
em programas disciplinares, isso não significa que o professor deva agir com
espontaneísmo, isto é, esperar que a criança pergunte o que quer saber.
Portanto, considera-se importante que o professor tenha condições de:
ü
programar
atividades adequadas à fase cognitiva em que se encontram as crianças e que
promovam a observação e a curiosidade;
ü
considerar
as explicações que as crianças dão ao que observam e às hipóteses formuladas;
ü
registrar
as teorias e hipóteses que aparecem nos diálogos e nas brincadeiras das
crianças, para que sejam usadas em projetos de trabalho;
ü
propor
atividades, individualmente ou em grupos, que façam com que as crianças pensem nos
fatos observados, sob outros pontos de vista;
ü
organizar
atividades para que as crianças tenham oportunidade de verificar suas próprias
hipóteses;
ü
possibilitar
às crianças o contato com outras formas de explicar os mesmos fatos
(historinhas, filmes, livros), ampliando seus conhecimentos sobre os temas,
sempre partindo das experiências do seu cotidiano;
ü
favorecer,
em qualquer situação, a discussão em grupo, colocando-se como um informante
capaz de fazer a mediação adequada entre as crianças e entre elas e o
conhecimento;
ü
ampliar
seus conhecimentos sobre os temas que trabalhará com as crianças, sempre
partindo do que já sabe sobre eles, sejam conhecimentos da vida escolar o do
próprio cotidiano.
É importante que os temas escolhidos
para projetos surjam das necessidades das crianças, ou ainda que surjam de
algum fato que desperte a curiosidade das mesmas. Porém, o professor não deve
portar-se como refém das observações das crianças, esperando passivamente que
estas surjam de forma espontânea, mas deve, intencionalmente, interferir com
projetos de trabalho adequados à promoção do pensamento das crianças sobre os
fatos que podem despertar sua curiosidade (atividades de campo, jogos,
brincadeiras).
O Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil concebe os conteúdos (que preferimos chamar de
conhecimentos), como um meio para que as crianças desenvolvam suas capacidades
e exercitem sua maneira própria de pensar, sentir e ser, ampliando suas
hipóteses acerca do mundo ao qual pertencem e se constituindo em um instrumento
para a compreensão da realidade. Os conhecimentos abrangem, para além de fatos,
conceitos e princípios, também aqueles relacionados a procedimentos, atitudes,
valores e normas como objetos de aprendizagem. A explicitação de conhecimentos de
naturezas diversas aponta para a necessidade de se trabalhar de forma
intencional e integrada.
Essa abordagem é didática e visa a
destacar a importância de se dar um tratamento apropriado aos diferentes
conhecimentos, instrumentalizando o planejamento do professor para que possa
contemplar as seguintes categorias que devem ser apreendidas pelas crianças:
ü conceituais que dizem respeito a conceitos, fatos
e princípios;
ü
procedimentais que se referem ao saber fazer e
ü atitudinais que estão associados a valores,
atitudes e normas.
Vamos discorrer um pouco sobre cada
uma dessas categorias:
Conceituais
Referem-se à construção ativa das
capacidades para operar com símbolos, idéias, imagens e representações que
permitem atribuir sentido à realidade. Deve-se ter claro que alguns conceitos
são possíveis de serem apropriados ou construídos, pelas crianças, durante o
período da educação infantil. Outros não, e estes necessitarão de mais tempo.
As atividades exploratórias, em que as
crianças observam, manipulam objetos, reconhecem as causas de alguns fenômenos
auxiliam na elaboração de conceitos. As primeiras explicações podem e devem ser
simples. Lua, som, água, ar, vidros, telhas, flores, comida, animais,
reprodução, corpo humano, sabonete, lixo, tudo isso e muito mais coisas fazem
parte da vida da criança e são tratados como se não fizessem O contato direto
com os objetos, seres e fenômenos estimula a curiosidade e o interesse das
crianças, que devem ser aproveitados na exploração da realidade.
Procedimentais
A aprendizagem de procedimentos está
diretamente relacionada à possibilidade da criança construir instrumentos e
estabelecer caminhos que lhes possibilitem a realização de suas ações, saber
manipular corretamente os objetos de uso cotidiano que existem à sua volta, por
exemplo, é um procedimento fundamental, que responde às necessidades imediatas
para inserção no universo mais próximo. E o caso de vestir-se, escovar os
dentes ou amarrar os sapatos, que se constituem em ações importantes no
processo de conquista da independência.
A criança segue hábitos de higiene e
saúde que devem fazer parte da sua realidade e, por isso, lhe são ensinados ou
aprimorados. Na Educação Infantil esses procedimentos são normatizados e
questionados, visando a melhoria da qualidade de vida da criança e de sua
família.
Atitudinais
As atitudes tratam dos valores e das
normas. As instituições educativas têm uma função básica de socialização e, por
esse motivo, têm sido sempre um contexto gerador de atitudes. Isso significa
que os valores impregnam toda a prática educativa e são aprendidos pelas
crianças, ainda que não sejam considerados como conteúdos a serem trabalhados
explicitamente, isto é, ainda que não sejam trabalhados de forma consciente e
intencional. A falta de coerência entre o discurso e a prática é um dos fatores
que promove o fracasso do trabalho com os valores e com a ética. Deve-se ter em
conta que, por mais que se tenha a intenção de trabalhar com atitudes e
valores, nunca a instituição dará conta da totalidade do que há para ensinar.
Na Educação Infantil, os valores são aprendidos muito mais pela imitação do que
pelo discurso.
Para a Educação Infantil, os
conhecimentos são apresentados nos diversos eixos de trabalho, organizados por
blocos, muitos deles encontram-se contemplados em mais de um eixo, apontando
para o tratamento integrado que deve ser dado. É importante que o professor
considere as possibilidades que esses conhecimentos oferecem para o avanço do
processo de aprendizagem e para a ampliação de conhecimento que possibilita.
Muitos são os temas pêlos quais as crianças se interessam. As vivências
sociais, as histórias, os modos de vida, os lugares e o mundo natural são para
as crianças parte de um todo integrado.
O eixo de trabalho denominado
Natureza e Sociedade reúne temas pertinentes ao mundo social e natural, que
estará mais relacionado com o ensino de Ciências da Natureza ou Ciências
Naturais.
Dada a grande diversidade de temas que
este eixo oferece, é preciso estruturar o trabalho de forma a escolher os
assuntos mais relevantes para as crianças e o seu grupo social.
A aprendizagem de fatos, conceitos,
procedimentos, atitudes e valores não se dá de forma descontextualizada. O
acesso das crianças ao conhecimento elaborado pelas ciências é mediado pelo
mundo social e cultural, contudo, o professor precisa ter claro que o domínio
do conhecimento não se consolida nesta etapa educacional, isto é, os conceitos
são construídos gradativamente.
É importante que as crianças tenham
contato com diferentes elementos, fenômenos e acontecimentos do mundo, sejam
instigadas por questões significativas e tenham acesso a modos variados de
compreendê-las e representá-las.
As crianças devem, desde pequenas, ser
instigadas a observar fenômenos, relatar acontecimentos, formular hipóteses,
prever resultados para experimentos, conhecer diferentes contextos históricos e
sociais, tentar localizar-se no espaço e no tempo. Podem também trocar idéias e
informações, debatê-las, confrontá-las, distingui-las e representá-las,
aprendendo, aos poucos, como se produz um conhecimento novo ou por que idéias
mudam ou permanecem. É importante, ainda, que o professor tenha noção de alguns
objetivos do ensino de Ciências Naturais na Educação Infantil.
Os
objetivos propostos pelos PCN são os seguintes:
• Crianças de zero a três anos
A ação educativa deve se organizar
para que as crianças, ao final dos três anos, tenham desenvolvido as seguintes
capacidades:
ü
explorar
o ambiente, para que possa se relacionar com pessoas, estabelecer contato com
pequenos animais, com plantas e com objetos diversos, manifestando curiosidade
e interesse.
• Crianças de quatro a seis anos
Para esta fase, os objetivos
estabelecidos para a faixa etária de zero a três anos deverão ser aprofundados
e ampliados, garantindo-se, ainda, oportunidades para que as crianças sejam
capazes de:
ü
interessar-se
e demonstrar curiosidade pelo mundo social e natural, formulando perguntas,
imaginando soluções para compreendê-lo, manifestando opiniões próprias sobre os
acontecimentos, buscando informações e confrontando idéias;
ü
estabelecer
algumas relações entre o modo de vida característico de seu grupo social e de
outros grupos;
ü
estabelecer
algumas relações entre o meio ambiente e as formas de vida que ali se
estabelecem, valorizando sua importância para a preservação das espécies e para
a qualidade da vida humana.
Isso não significa dizer que outros
objetivos não possam ser definidos, de acordo com o contexto ou mesmo com o
interesse das crianças.
Reforçando
o que foi dito até aqui, é importante que alguns temas sejam enfatizados na
educação infantil, como por exemplo, higiene, saúde e qualidade de vida; a
importância dos alimentos e dos seres vivos; as relações sociais; a tecnologia;
noções de ecologia e de educação ambiental; a preservação, promoção e valorização
da vida, entre outros.
ATIVIDADE 1 –
RESPONDA
1.
Explique o conceito de espontaneísmo curricular aludido no texto.
2.
Redefina com suas palavras o que se espera que o professor de educação infantil
seja capaz em relação ao procedimentos para definição didática e curricular das
atividades a serem desenvolvidas com as crianças.
3.
Exemplifique praticamente as habilidades a serem desenvolvidas nas crianças nos
aspectos:
a.
conceituais
b.
procedimentais
c.
atitudinais
4. Leia
com atenção a parte final do texto e analise comparativamente quais aspectos
diferenciam os objetivos do ensino de ciências nas diferentes faixas etárias
propostos pelos PCN.
5. Explique a concepção de que as crianças
são seres sociais, psicológicos e históricos. A qual corrente pedagógica esta
concepção está associada?
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