26/08/2014

A GÊNESE DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Material Extraído dos Cadernos Pedagógicos da UDESC
CONTEÚDO E METODOLOGIAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS

Elaboração
Isabel Cristina da Cunha
Janice Miot Silva
Marise Borba da Silva
Colaboração
Maria Juliani Nesi
Florianópolis, junho de 2003.

A GÊNESE DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS E O ENSINO DE CIÊNCIAS

Objetivo Geral: compreender a gênese e as relações entre os conceitos cotidianos e científicos na aprendizagem das Ciências Naturais, evidenciando a importância da intervenção educativa, da intencionalidade na realização do ato educacional escolar e da importância da interação social nesse processo.

A FORMAÇÃO DOS CONCEITOS CIENTÍFICOS NA CRIANÇA

Objetivos Específicos: identificar as possibilidades de aprendizagem dos alunos, superando sua percepção imediata dos fenômenos naturais, através da expansão conceitual; relacionar o conhecimento cotidiano com o científico para explicar o funcionamento do mundo natural; identificar o papel social da linguagem, enquanto instrumento do pensamento e mediador da intencionalidade, na construção dos conceitos científicos.
Quando se ensina Ciências, não se pode ignorar a importância da relação que é preciso estabelecer com a linguagem. Você mesmo deve observar que, na interação com seus alunos, a linguagem possibilita um constante processo de interlocução no dia-a-dia. Mas, veja bem! A linguagem não exerce apenas o papel de instrumento de comunicação. Ela é, também, mediadora da intencionalidade (desejo explícito de incidir ou intervir no processo de aprendizagem do aluno) e nos permite, ainda, formular conceitos, ou seja, abstrair e generalizar fatos ou eventos da realidade, através de atividades mentais complexas. A linguagem, portanto, é uma ferramenta’ de extrema relevância, pois age na estrutura do pensamento e é básica para a construção do conhecimento.
No estudo que fazemos nessa Seção, ressaltamos o papel da relação entre linguagem e Ciência, uma vez que a criança vai formulando seus conceitos básicos, e primeiras noções sistematizadas sobre as Ciências Naturais, enquanto utiliza a linguagem para nomear objetos, fatos e fenômenos presentes em sua vida diária. Dessa forma, fica claro que o movimento de construção de significados abrange não apenas as duas dimensões de apropriação da realidade o conhecimento cotidiano e o científico como pressupõe também a articulação de múltiplas linguagens, como a linguagem presente na arte, na mídia, e nos jogos infantis, etc.
Quando observamos mais atentamente nossos alunos, em especial as crianças pequenas, percebemos que empreendem um grande esforço no sentido de compreender tanto o mundo cotidiano quanto o conhecimento formal com que passam a conviver na escola. Aprender a usar alguns objetos, como o lápis, a borracha, o quadro para giz e outros, assim como indagar sobre a vida dos dinossauros, dos insetos, sobre como nascem os bebês ou porque os animais são diferentes uns dos outros, são propostas da cultura escolar, embora possam estar presentes na mente infantil bem antes da criança freqüentar uma instituição educacional. Dizemos, então, que os conceitos cotidianos são aqueles aprendidos assistematicamente, dispensando a necessidade de um espaço educativo para a sua formulação, ao passo que os conceitos científicos são construídos sistematicamente em um espaço educativo, formal, através do diálogo que as crianças mantém entre si e com seus professores, fazendo uso dos diferentes instrumentos culturais disponíveis.
Se nos reportarmos à escola, é importante destacar que ela tem, portanto, grande responsabilidade na formação das funções mentais superiores e dos conceitos científicos.
A formação de conceitos é uma atividade complexa e abstrata, que usa o signo, ou palavra, como meio de condução das operações mentais. A palavra se coloca como signo mediador na formação dos conceitos e, mais tarde, converte-se em seu símbolo.

No aspecto do símbolo, signo e palavra, é importante lembrarmos o que nos diz Vygotsky, com sua preocupação de entender a relação entre as idéias que as pessoas desenvolvem e o que dizem ou escrevem. Segundo esse autor o modo como urna pessoa percebe o mundo d marcado pela linguagem que utiliza.
O conceito é o resultado de uma abstração do pensamento que se externaliza em uma definição. Desse modo, a definição é um enunciado que delimita um conceito na sua exata extensão e compreensão, ou seja, o conteúdo do conceito, sendo veiculado através da linguagem. Segundo Vygotsky (1993), o conceito constitui-se em um processo vivo e complexo do pensamento, realizando a função de comunicação de significado, compreensão ou resolução de problemas.

O conceito é a unidade funcional e estrutural mínima do pensamento. Isso significa que, qualquer pensamento, por mais elementar que seja, envolve o emprego de conceitos.
Pensemos agora em uma problemática que tem estado presente em muitas discussões que abordam a aprendizagem: é impossível ignorar que o professor consome a maior parte do tempo de suas aulas passando’ definições aos seus alunos sem contribuir para que eles construam conceitos. Conseqüentemente, quando o aluno consegue verbalizar essas definições, o professor se convence de que houve aprendizagem. Ora, sabemos que nem sempre isso ocorre, pois é comum que os alunos escrevam ou recitem inúmeras definições que não significam nada para eles, tanto que, quando se pergunta o porquê de algo, referente à definição em questão, os alunos logo desconversam, desistem do assunto, enfim, acham que não existe nada mais além da mera definição. Todo conceito tem extensão e conteúdo, Ou seja:
·         a extensão compreende os elementos que são enumerados e que, pela definição, podem ser classificados como pertencentes ao mesmo conjunto, como por exemplo, o conjunto das vogais a, e, i, o e u;
·         o conteúdo, por sua vez, é o que define os elementos da extensão, como por exemplo: Vogais são estruturas articulatórias que não precisam de outras estruturas para sua emissão. Pela definição constante desse conteúdo, percebe-se que a letra b, por exemplo, não pode pertencer à extensão desse conceito, já que ela precisa de outras estruturas para sua emissão, de tal forma que a “palavra” bbnp, por exemplo, nada significa.
Vejamos o conceito de ser vivo:
• Qual é a sua extensão? Ora, a extensão corresponde aos exemplares de seres vivos que podem ser enumerados, como por exemplo: homem, gato, peixe, pássaro, árvore, boi, baleia, barata, bactéria, fungo, grilo etc.
• Qual é o seu conteúdo? É a definição de ser vivo, isto é, a explicitação de propriedades comuns que podem ser observadas nos seres vivos citados.
Percebe-se que forma, cor, tamanho ou habitat não são propriedades comuns entre homem, gato, peixe, pássaro, árvore, boi, baleia, barata, bactéria, fungo, grilo etc. Pelo contrário, se aplicarmos esses critérios, percebemos que não há nada em comum entre os seres vivos exemplificados.
Imaginemos o tamanho da baleia c do grilo, ou a forma do peixe e da árvore. É necessário, então, que sejamos capazes de abstrair desses exemplares de seres vivos o que está em cada um deles em particular e em todos ao mesmo tempo. É necessário construirmos a sua definição, ou seja, o conteúdo do conceito. Assim, somos capazes de abstrair de todos eles as seguintes características que lhes só comuns: nascimento, crescimento e morte (ciclo vital), alimentação (nutrição). Podemos, então, definir ser vivo como todo ser que tem ciclo vital e se alimenta. São suas características comuns. Com base nessa definição de ser vivo, portanto, não podemos colocar uma pedra, por exemplo, na extensão do conceito, pois, considerando a definição dada no conteúdo do conceito, a pedra’ não cabe para ser vivo, uma vez que não tem ciclo vital nem nutrição.
Pelo que vimos anteriormente, o processo de classificação é o que está na base da elaboração do conceito. Classificar nada mais é do que colocar junto o que pode ficar junto e separar o que, pelos critérios adotados, não tem nada em comum com o conjunto considerado. Assim, retomando o exemplo acima, a pedra não pode ficar junto ao boi, à árvore, ao grilo, ao peixe etc., porque entre esses seres e a pedra não há elementos que, pela definição de ser vivo, sejam comuns a todos eles.
Como observamos, a classificação não é restrita apenas aos exercícios de classificação de conjuntos, nas aulas de Matemática. Trata-se de um processo lógico que orienta a elaboração de definições em rodas as áreas do conhecimento humano. Nas aulas de Português, por exemplo, quando o professor pretende que seus alunos aprendam o que é um pronome, de nada adianta fazer as crianças decorarem uma definição se elas concluírem que o apelido de um colega é um pronome porque está no lugar do nome dele. Por exemplo, a criança pode alegar que Zequinha é um pronome, pois é um apelido colocado no lugar do nome José.
Dessa forma, fica evidente que não há conquistas pedagógicas quando o professor apresenta uma série de definições que devem ser memorizadas pelos alunos, se eles não conseguem operar com as definições, isto é, se não conseguem classificar o que pode ou não pertencer ao conjunto do que está sendo definido. Por exemplo: se nas aulas de Ciências, as crianças aprendem’ que animais mamíferos são os que têm glândulas mamárias, então, deverá saber que os homens são mamíferos, mesmo que o professor não tenha citado esse animal no seu exemplo de mamíferos. Se isso não acontece, de nada adianta a criança decorar a definição. É necessário que ela consiga construir a extensão do conceito, a partir da definição e, ao mesmo tempo, consiga construir a definição pelo que é possível abstrair de todos os elementos citados
na extensão. Isso se da apenas se o professor visar outras metas no processo ensino-aprendizagem, ou seja, se ele visar a elaboração conceitual e não apenas à reprodução de definições já elaboradas.

Na base das classificações que a mente humana elabora, para poder conhecer o mundo, estão os conhecimentos prévios, isco e, os conhecimentos construídos com base nas experiências de vida e no que e apreendido, mediado pela linguagem. Uma vez que essa expressa as definições que a cultura confere às coisas. Assim, por exemplo, um pescador conhece a Lua pela experiência construída a partir de sua relação cotidiana com esse satélite (objeto de pensamento) e, ao mesmo tempo, por influência de sua cultura, mediada pela linguagem, a respeito do satélite.
Acontece, porém, que se trabalha Ciências na Educação Infantil e nas Séries Iniciais ignorando, principalmente, o conhecimento prévio que a criança tem, bem como as definições presentes na sua linguagem. Acredita-se que, nesse período de sua vida, e freqüentando a escola, a criança começará a aprender quando estiver ouvindo o professor, reproduzindo os textos, exercitando, repetindo, memorizando etc. Enfim, ensina-se acreditando que a aprendizagem acontece num vazio conceitual.
Observe as situações que apresentamos, a seguir, para exemplificar o desenvolvimento dos conceitos na criança. Na ilustração abaixo, trata-se do ‘conceito de Universo’.
O aluno A.C., da 2a. série, representa o Universo através de alguns elementos de seu contexto, como por exemplo, árvores, outros tipos de animais, edifícios (aparecendo, principalmente a escola e a igreja), o Sol, com algumas indicações animistas, algumas nuvens, mas nada que aponte para a imensidão do Universo. Pode-se dizer que o ‘conceito de Universo’ desse aluno encontra-se restrito ao que lhe é próximo e perceptivo. Da mesma forma, a criança consegue se localizar (representando-se por um X, como está no desenho), próxima à Escola, ou a sua casa, na rua, à sombra da árvore, enfim, em ambientes familiares.
Observemos, a seguir, uma outra representação.
O desenho de E.C.M., também da 2a série, é uma representação do ‘Universo’ que vai além dos elementos mais próximos, sugerindo uma compreensão do sistema solar. Esse aluno, solicitado a localizar-se no Universo, diz ser muito difícil, uma vez que o Universo é muito grande.
Imagine, agora, se o professor se propõe a trabalhar o Universo com esses alunos. Como cada um deles organiza seu pensamento, se o conhecimento prévio de cada um representa o Universo de formas tão diferentes?
É a partir da representação de seus alunos que o professor planejará e executará as aulas posteriores. Cada aluno, ao apresentar seus desenhos aos colegas, poderá receber deles alguns questionamentos, e, ao mesmo tempo, informações do professor, através dos quais levantará dúvidas sobre as representações que de tem do Universo, uma vez que não são suficientes para resolver os problemas colocados pelos próprios colegas e por seu professor. Instala-se, assim, o conflito necessário à aprendizagem. Ao começar a duvidar de suas representações, o aluno torna-se receptivo a novas idéias sobre o Universo, podendo elaborar, com a mediação do professor, conceitos mais gerais, de um maior nível de abstração.
Embora ultimamente tenha-se feito referência ao saber que a criança traz consigo, acreditamos que esse saber seja restrito à sua vida particular e que nada tem a ver com aquilo que a escola irá lhe ensinar. O professor admite: as crianças sabem muitas coisas que eu desconheço, mas não sabem o que eu sei e o que pretendo lhes ensinar. Isso fica evidente quando, na aula de Ciências, o professor ensina’ às crianças a utilidade da água (tomar banho, escovar os dentes, saciar a sede, cozinhar alimentos, etc.). É como se a criança passasse sete anos de sua vida, sem saber para que serve a água. Mesmo que durante todo esse tempo tenha utilizado a água para diversos fins, não se considera que ela tenha algum conhecimento sobre essa substância. A pergunta que logo vem à mente é a seguinte: se a aprendizagem implica em mudança de comportamento, o que acontece quando a criança utiliza a água, depois de haver estudado, na escola, sobre a utilidade deste precioso líquido?
Em decorrência da falta de conhecimento, por parte do professor, da  gênese e desenvolvimento conceitual na criança, acontecem na escola várias situações, tais como:
• Acredita-se que a criança saiba muitas coisas, mas nada a respeito do que vai aprender na escola, nas aulas de Ciências;
Acredita-se que, até chegar à escola, a criança não pense a respeito das coisas ou eventos que compõem a realidade. Fica indiferente a tudo, esperando que o professor lhe diga o que são e corno funcionam as coisas que a rodeiam. É como se a criança esperasse aprender o nome das letras para começar a falar. Em Ciências, é como se a criança esperasse pacientemente pela escola e suspendesse seu juízo a respeito do sol, da lua, das plantas etc. No entanto, não é isso que a experiência nos mostra. Basta conversarmos por alguns instantes com crianças da Educação Infantil para percebermos que elas elaboram, a todo instante, representações mentais ou conceitos a respeito das coisas ou eventos que observam. Assim, são capazes de nos dizer que a lua é “uma bola bem grande que serve para mostrar o caminho para quem está viajando...”
E Não se considera, nem se atribui relevância aos conceitos cotidianos que as crianças elaboram e levam consigo para dentro da sala de aula. Tudo o que norteia a ação do professor resume-se no seguinte: tudo o que meus alunos pensam a respeito do que vou lhes ensinar não tem a menor importância. Aliás, se é verdade que sabem alguma coisa, é melhor que esqueçam tudo, porque agora vão começar a obter o conhecimento verdadeiro. Que a lua é uma bola que serve para orientar o caminho dos viajantes, isto é uma bobagem de criança e não tem interesse algum na minha aula.
Em suma, as relações entre conhecimento científico, conhecimento cotidiano e atividades de ensino vêm sendo objeto de interesse dos educadores no decorrer da história. Mas ainda pouco se tem avançado no sentido de fazer com que os alunos se apropriem do conhecimento sistematizado, aumentado sua capacidade de buscar e organizar informações, estruturando seus conceitos e desenvolvendo sua habilidade de pensar reflexivamente.

ATIVIDADE 1 – COMENTADA

Construindo o conceito de animal


Avalie o conteúdo abaixo, baseado em atividades que constam em livros didáticos de Ciências (de 1a a
4a séries), comparando-o com o texto que você estudou nesse Caderno. Verifique se esse tipo de atividade facilita a construção do conceito de animal, pela criança.
Os animais se locomovem de maneiras diferentes: andam, correm, rastejam, pulam, voam e nadam.



O coelho e a vaca são animais herbívoros.

Outros se alimentam de carne. São os carnívoros.
O gato, o tubarão e o urso são animais carnívoros.
Comentário: esse texto, o assunto ‘Os animais’, traz uma série de informações soltas, dificultando aos alunos a construção de conceitos. Se o aluno conseguir verbalizar essas definições, não significa que houve aprendizagem, porque o aluno não construiu nem a extensão e nem o próprio conteúdo limitando-se apenas a recitar algumas definições que podem não significar nada para ele, tanto que poderá não ter sucesso, se lhe for apresentada uma situação diferente da ilustrada anteriormente então, é necessário que o professor domine bem os conceitos e que, antes de trabalhar o referido assunto, construa com os alunos o conceito de animal. Como caracterizar, reconhecer, identificar os animais por mais diferentes que sejam entre si? Podemos encontrar diversos filos (categoria de classificação dos seres vivos compreendida entre reino e classe) no reino animal com características muito peculiares. Depois da compreensão do conceito, da sua resignificação e, da assimilação do que representa ser um animal, os alunos podem compreender melhor certos textos.

ATIVIDADE 2 – RESPONDA

1.    Como se processa a formação dos conceitos científicos na criança?
2.    Qual a relação entre linguagem e ciência?
3.    Diferencie e exemplifique o conhecimento cotidiano e o conhecimento científico no movimento de construção dos significados para a criança.
4.    Qual o papel da escola e do professor no processo de construção do conhecimento científico?
5.    Defina os elementos que compõem os conceitos:
a.    extensão –
b.    conteúdo –

 

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