Material
Extraído dos Cadernos Pedagógicos da UDESC
CONTEÚDO
E METODOLOGIAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS
Elaboração
Isabel Cristina da Cunha
Isabel Cristina da Cunha
Janice
Miot Silva
Marise
Borba da Silva
Colaboração
Maria Juliani Nesi
Maria Juliani Nesi
Florianópolis,
junho de 2003.
TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA
Objetivos Específicos: selecionar e organizar conteúdos fazendo a sua transposição didática, de
modo a converter o conhecimento científico em conhecimento curricular,
considerando contextos socioculturais e capacidades cognitivas e afetivas dos
alunos.
A ciência
produzida pelos cientistas não é a mesma ensinada na escola. Enquanto o físico,
por exemplo, pesquisa o átomo e a ruptura do núcleo atômico, o professor ensina
como o físico trabalha e qual o resultado de sua pesquisa. Isso significa que o
professor não vai repetir as experiências do físico ou discutir o assunto com
os alunos no mesmo nível de complexidade em que o físico trabalha.
A transformação
do saber do físico - num saber escolar consiste num processo denominado “transposição didática”
que deve favorecer a interação dos alunos com a ciência, iniciando-os na
aprendizagem e desenvolvimento de conceitos, como meios e não como fins em si
mesmos.
De modo geral, os
professores sustentam a ‘crença’ ingênua de que há uma correspondência linear
entre o saber científico e o saber escolar, permanecendo óbvio que na escola se
deva ensinar o que os cientistas produzem. Toma-se comumente por conhecimento científico
o que se habituou a encontrar nos livros
didáticos; sendo assim, perguntar qual conteúdo a escola deve ensinar, bem
como, quais os critérios pelos quais se julga que alguns conteúdos são mais
importantes do que outros são questionamentos que a maioria dos professores tem
dificuldade de responder.
É possível mudar
a metodologia, propor algumas atividades novas, mas, desses conteúdos, dizem os
professores, não há como fugir.
Os conteúdos
escolares, como já vimos, não são da mesma natureza dos objetos de trabalho dos
cientistas. Um aluno de Química, por exemplo, não é um químico pesquisando
novas fórmulas, novas reações, combinações etc., com o objetivo de aumentar o
potencial explicativo de una teoria. Aos estudantes de Química importa saber o
que os químicos já descobriram e como o fizeram. Dessa forma, fica evidente que
ter o objeto da Química como elemento de pesquisa científica, não é a mesma
coisa que aprender o desenvolvimento e conquistas dessa ciência numa
instituição como a escola. Ao professor compete, então, transformar esse saber
do cientista em um saber que possa ser ensinado na escola; enfim, ao professor
compete ensinar Ciência, caracterizando o que entendemos por Transposição
Didática.
Por esse
processo, os conteúdos necessitam ser adequados e flexibilizados, inclusive do
ponto de vista da linguagem, uma vez que não se pretende que a iniciação ao
mundo da Ciência seja realizada tendo por referência apenas a terminologia
usada pelos cientistas. Um dos recursos para transpor essa linguagem altamente
científica em uma linguagem escolar é a contextualização. Trata-sede considerar
os diferentes contextos próximos do educando que lhe servem de base, em
especial o contexto sócio-cultural, levando em conta, tanto quanto possível, o
conhecimento que o aluno já tem dos fenômenos e do mundo, de modo que seus saberes ganhem relevância para o professor.
Fazendo essas
reflexões, analisemos agora a transposição didática na pedagogia tradicional.
Essa leva em consideração os ‘fatos e feitos” da Ciência, de forma linearmente
progressiva e onde o processo do seu desenvolvimento, incluindo os recuos, os
enganos e os erros não estão presentes, fazendo crer que o cientista não erra e
que a Ciência não é um empreendimento humano sujeito a situações imprevisíveis,
acidentais e indesejadas.
Esse modelo de
transposição didática, vigente em todo o ensino tradicional, submete o aluno à
memorização de conteúdos sem significado e totalmente desvinculados da
realidade. Essa crítica é muito procedente, especialmente no Ensino Médio que
tem ainda a marca forte da concepção de ensino como transmissão de
conhecimentos e como preparo para o vestibular; apontando para o sentido
utilitarista e imediato do conhecimento. Assim, como não é atribuído um
significado ao conhecimento por si só, a grande maioria dos alunos, por não
chegarem ao Ensino Superior, acabam por não aprender sequer o básico para
orientar-se no mundo em que vivem. E os que chegam lá, percebem, tardiamente,
que não aprenderam e, o que é pior, continuam não aprendendo.
Quando é necessária a estruturação das disciplinas científicas?
Conteúdos escolares são, os conhecimentos disciplinares que, num determinado momento e local e por critérios nem sempre estabelecidos pelas escolas, são ensinados aos alunos, como objetivo de que, a partir deles e do significado que lhes possam atribuir, cheguem a uma elaboração conceitual cada vez mais profunda, abrangente e complexa.
Se você refletiu
sobre isso, deve concluir que, ensinar sob outra ótica que não implique o puro
repasse de informações, requer uma reestruturação curricular, uma retomada da formação
docente, com base numa outra transposição didática e num outro contrato
didático, nos quais a história e a lógica dos conhecimentos ocuparão lugar de
destaque e nortearão a escolha dos
conteúdos a serem ensinados. Eles deverão ser os que serão capazes de
resignificar a representação cotidiana dos alunos, possibilitando-lhes o
alcance do que a Ciência já foi capaz de explicar.
É preciso saber que todo o conhecimento que a humanidade
produziu e continua produzindo precisa ser classificado para que se tenha uma
ordenação, uma sistematizaç5o d0 que já foi produzido. O critério usado essa
classificação e peio qual se estabelece o estatuto de cada disciplina, é a natureza
do seu objeto de pesquisa e a perspectiva que se adota para estudá-lo.
Assim, a matéria,
enquanto estrutura e movimento, é objeto da Física; enquanto composição,
transformação e conservação, é objeto da Química; enquanto constituinte de um
organismo vivo, é objeto da Biologia e assim por diante, sem considerarmos a
complexidade do fenômeno humano que diz respeito às diversas ciências humanas.
As disciplinas
científicas silo empreendimentos racionais, organizados com o objetivo de
sistematizar a produção de conhecimentos, de forma que as teorias pertinentes a
elas consigam manter a coerência entre si. São conjuntos de enunciados,
fórmulas, algoritmos, enfim, de teorias, de modelos de um mundo idealizado,
abstraído de suas particularidades, de um mundo que, concretamente, não existe.
Esses modelos, que são representações científicas do mundo, quando produzidas
sob uma mesma visão, formam um todo coerente, de modo que podem coexistir e
fornecer explicações a todos os fenômenos a que dizem respeito, sem que, no
entanto, dêem conta de nenhum em particular.
Representações
são construções humanas, segundo o modo de perceber e de conhecer do sujeito e
segundo o modo como ele é afetado pelo objeto ou pelas propriedades deste, O
sujeito constrói, assim, um universo de significações que o permitem
interpretar e explicar o mundo real, elaborando uma representação pessoal de um
objeto da realidade ou conteúdo que pretende aprender, possibilitando-lhe um
constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e
significações. São as representações que nos possibilitam pensar numa árvore,
por exemplo, mesmo não tendo este objeto real no campo de nossa visão.
Assim acontece
com a idéia inicial que a criança tem a respeito dos fenômenos naturais, por
exemplo, a idéia de Universo, em que nada é constatado como é de fato, mas
sempre enquanto representação. A forma de conhecimento e de tratamento da
identidade do Universo, desse modo, corresponde à idéia que a criança tem de
Universo, pois o representa e, ao mesmo tempo, o sintetiza e o reelabora. É
necessário, assim, que o professor de Ciências estabeleça novas significações
ao objeto ou fenômeno estudado, a partir de uma relação de sentido como mundo, através de diversas formas possíveis de representação, como
incluir noções de diversos pontos de vista sobre a origem do Universo, por
exemplo. Ao inserir um novo plano de mediação entre a criança e o Universo,
seja por uma realidade simulada ou
pela representação de outros modelos mentais, o professar possibilita-lhe uma
nova oportunidade para representá-lo, expondo suas idéias ao olhar do outro.
As
representações, experiências, opiniões, expressas pelo professor, pelos
colegas, e as contidas em livros e em outros produtos culturais, constituem
condições concretas para a realização do desenvolvimento de processos de
significação e representação, através de um novo enfoque acerca do conceito de
Universo, levando em consideração o desenvolvimento cognitivo da criança.
Além disso,
dependendo da ação que se pretende executar, não é qualquer representação do
mundo que é adequada. Vejamos um exemplo: se precisar me deslocar em meu Estado , de uma
cidade para outra, em automóvel, uso um mapa da malha viária do Estado
(representação deste espaço), esse mesmo mapa não terá utilidade alguma se
pretendo fazer esse trajeto a cavalo. Nesse caso, é mais útil um mapa das
trilhas. E assim, teria que dispor de outras representações desse espaço,
conforme o meio utilizado fosse um barco ou um avião.
O homem elabora
teorias sobre o mundo, construindo modelos que podem ser “confirmados” desde
que ações desencadeadas à luz desses modelos consigam nos fornecer uma boa
orientação a nossa prática cotidiana. Em todos os casos, o que interessa é que
se transite bem entre as várias representações, que se consiga olhar o mundo
sob diferentes perspectivas, criando novas representações e fazendo acomodações
das anteriores, de forma que o significado se expanda e a aprendizagem
aconteça.
Quando essas
perspectivas são construídas no interior da comunidade científica, sendo
agrupadas por afinidades e organizadas de acordo com estatutos próprios, dão
origem às disciplinas científicas. Essas, após passarem por um processo de
transposição didática, passam a constituir as disciplinas escolares que
conhecemos e com as quais trabalhamos.
Assim, por
exemplo, os anatomistas têm um determinado modelo de sistema digestivo do
organismo humano que não é aplicado, particularmente, ao sistema digestivo do
indivíduo A ou B. É um modelo explicativo que se refere a todos os sistemas
digestivos de qualquer organismo humano, independente da raça, sexo, idade etc.
Trata-se de uma abstração, um símbolo que mantém presente o objeto que queremos explicar, no caso, o sistema digestivo, símbolo esse que
se manifesta através da linguagem, sob a forma de definições, de esquemas
gráficos, figuras, fotografias, imagens computadorizadas etc. Um anatomista,
então, pode nos definir sistema digestivo como sendo um “tubo”, composto de
vários segmentos como o esôfago, estômago e intestino, que vai da boca ao ânus,
e de órgãos anexos (fígado, pâncreas, etc.), cuja função é digestão, nutrição e
excreção.
ATIVIDADE 1 – COMENTADA
As representações do professor e do
aluno no ensino de Ciências
Considere o desenho que segue:
Na escola, o aluno pode ter uma
representação do sistema digestivo, totalmente diferente daquela do anatomista,
fazendo-o corresponder, por exemplo, a uma “máquina trituradora”. Considerando
que a intenção do professor é ensinar ao aluno o modelo do anatomista, qual
deveria ser a atitude didática do professor diante da representação do aluno? É possível conciliar as duas representações? De que forma?
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Comentário: O professor, sem dúvida, espera que a sua própria
representação, considerada a oficial, consensual a todos os anatomistas e
referendada pela sua disciplina, seja assinalada pelos alunos. Mas, quando chegam à escola, os alunos já têm unia representação do aparelho digestivo que não é igual a do professor. O
que os alunos fazem numa aula tradicional, é tentar ‘colar’ a representação do
professor sobre a sua própria, mas, essa “cola” não ‘fixa”, caso não sejam encontrados pontos comuns entre a representação do
professor e a sua. Nesse processo, se não for feita uma comparação entre as
representações do professor e as dos alunos, não poderá ser criado nenhum ponto
em comum pelo qual seja possível estabelecer alguma correspondência, alguma
aproximação. Dessa forma, ou o aluno reproduz a representação do professor, adequando-se ao que tradicionalmente se espera dele, mesmo não aprendendo, ou abandona a escola. Ao contrário disso, o professor deve, partindo da representação do aluno, instalar conflitos de ordem cognitiva
no aluno de modo que ele perceba as contradições e limites presentes nas suas representações.
ATIVIDADE 2 – RESPONDA
1.
O
que é ciência?
2.
Por
que a ciência produzida pela escola não é a mesma produzida pelos cientistas?
3.
O
que é a transposição didática?
4.
Qual
o papel do professor no processo de transposição didática?
5.
Quando
se faz necessária a estruturação das disciplinas científicas?
6.
Como
é possível ensinar sob outra ótica que não implique em puro repasse de informações?
ATIVIDADE
3 – PESQUISE
Pesquisar
em uma revista científica um assunto de interesse atual e seguindo as
orientações e aprendizado a partir do texto, fazer a transposição didática dos
conteúdos e conceitos expostos pela matéria escolhida, desenvolvendo um plano
de aula seguindo o modelo fornecido, detalhando as atividades a serem
desenvolvidas.
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