15/08/2014

POR QUE ENSINAR CIÊNCIAS?

Material Extraído dos Cadernos Pedagógicos da UDESC
CONTEÚDO E METODOLOGIAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS

Elaboração
Isabel Cristina da Cunha
Janice Miot Silva
Marise Borba da Silva
Colaboração
Maria Juliani Nesi
Florianópolis, junho de 2003.

POR QUE ENSINAR CIÊNCIAS?

Objetivos específicos:
analisar e discutir criticamente os objetivos e a importância do ensino de Ciências Naturais na formação científica inicial das crianças, a partir da compreensão do conteúdo fundamental desta disciplina.

Se nos reportarmos à forma como o ensino de Ciências vem sendo efetivado, veremos que ainda é realizado em função de um conjunto de conteúdos que constituem programas, sem que fique devidamente claro qual é na verdade, o objeto de conhecimento da disciplina com o qual esses conteúdos devem estar estreitamente articulados, para que não sejam tratados como assuntos isolados e estanques, pouco atraentes e nada significativos para os alunos. Você mesmo(a) já parou para pensar o que é estudado em Ciências? Será que à sua cabeça ainda vêm conteúdos como ar, água solo, animais e plantas? Não estranhe, isso pode acontecer! Isolados ou abordados em conjunto, se você prestar atenção, esses conteúdos são os tópicos básicos ainda implícitos nos programas, principalmente, quando tais programas são destinados a crianças.
Ainda que seja outra a organização, você poderá perceber que uma coisa não muda: a forma hierárquica, linear, fragmentada, com que esses conteúdos são apresentados, o que vai se refletir, também, na forma como serão ensinados.
A Ciência “caminha” apressada, e a tecnologia ainda mais! Embora aconteçam tantas reformas no ensino da disciplina de Ciências, tantas propostas curriculares, tantas discussões, parece que tais avanços não chegam à escola. Torna-se cada vez mais necessário repensar o ensino de Ciências, como já dizia Darcy Ribeiro (apud RODRIGUES,1989), ver o que se quer, efetivamente, com ele. É por isso que fizemos esta abordagem inicial, para deixar claro quais são os assuntos-chave de que trata o ensino de Ciências, para que, a partir deles, seja pensada uma proposta que corresponda às necessidades do processo de ensino-aprendizagem.
As Ciências da Natureza estudam três ordens de fenômenos: os relacionados com a vida, os fenômenos físicos e as transformações que ocorrem na natureza. Constituem, assim, três grandes ciências: a Biologia, a Física e a Química. Vamos, agora, falar um pouquinho sobre o universo que cada uma dessas ciências abarca, sendo importante saber que elas já se especificaram em muitos e diferentes ramos, como é o exemplo da Ecologia, Botânica e da Zoologia, na Biologia.
Iniciemos pela Física.
Desde o início da infância, cada um de nós pode observar uma grande variedade de fenômenos, ou seja, uma multiplicidade de transformações que ocorrem continuamente no ambiente em que vivemos. São, assim, muitas as perguntas que cada um de nós é levado a se fazer, e muitos são, também, os “porquês” aos quais gostaríamos de poder dar uma resposta, por exemplo: por que vemos nossa imagem refletida num espelho? Por que os objetos caem no chão? Por que as estrelas não são lançadas no solo como urna pedra? E assim sucessivamente.
Podemos, então, recorrer à Física (do grego physis, natureza ), que e a Ciência que se propõe a descrever e a compreender os fenômenos que se desenvolvem na natureza, tais como os fenômenos do movimento, os fenômenos sonoros, os fenômenos térmicos; a natureza da luz e os fenômenos por ela produzidos, os fenômenos elétricos e magnéticos e os fenômenos que dizem respeito às moléculas e aos átomos.
“Falemos”, agora, da Química.
A Química estuda os diferentes materiais, suas ocorrências, seus processos de obtenção e suas aplicações, em especial, as transformações das substâncias. É uma Ciência que está relacionada a quase tudo em nossa vida: quando comemos, respiramos, pensamos, estamos realizando processos químicos. A Química está, também, nas nossas necessidades básicas: alimentação, vestuário, saúde, moradias, transporte, entre outros.
A Biologia, ciência que tem seu nome originado de duas palavras gregas: bios, vida , e logos, estudo , tem por objeto o estudo dos seres vivos, portanto os biólogos são os responsáveis por investigar todas as formas vivas (bactérias, protozoários, fungos, vegetais, animais, inclusive os vírus), em busca de respostas para sua origem e evolução, processos de reprodução e relação com o meio ambiente, além dos problemas envolvidos com esse processo.
Muito bem! Você agora já tem maiores informações acerca do objeto de estudo de cada uma das ciências, cujas noções básicas podemos formar desde a infância. Existem muitas aplicações práticas da Física, da Química e da Biologia em nosso cotidiano: tomar banho, ferver água ou mesmo observar a face de uma colher são bons exemplos.
Explorar o olhar e o perceber do mundo infantil é um desafio para os educadores, com o objetivo de despertar o interesse pela Ciência e justificar alguns fenômenos que ocorrem no dia-a-dia. Para tanto, é fundamental tomar como ponto de partida esses conhecimentos trazidos pelos alunos e organizá-los de acordo com as afinidades e interesses, levando em conta o trabalho espontâneo e movido pela integração, pelas indagações e expectativas das crianças, fazendo com que cada um ajude o outro, construa a sua concepção de mundo e desenvolva o gosto pela ciência e pela natureza.
Os fenômenos biológicos, físicos e químicos fazem parte do nosso dia-a-dia. A Física, por exemplo, está presente numa simples situação em que a água sofre uma mudança no seu estado físico, como quando ela se transforma em gelo ou em vapor d’água. A Física está, ainda, na força que atrai os ímãs que usamos para enfeitar a geladeira ou mesmo em nossas brincadeiras, quando deslizamos pelo escorregador ou caímos na calçada em dia de chuva, ou quando “gastamos” a sola de nossos chinelos e sapatos.
Um outro exemplo interessante é o que acontece nos banheiros em que há cortinas de plástico à guisa de box. Assim que o chuveiro é aberto, essa cortina gruda no corpo da pessoa, porque a água aumenta a velocidade do ar que está em volta, diminuindo a pressão interna ao box, sendo que, do fado de fora, a pressão é maior, o ar empurra a cortina para dentro. Interessante, não é mesmo? Esses são alguns exemplos de como a Física está presente em nosso cotidiano.
A Química, por sua vez, participa comumente de nosso cotidiano tanto quanto a Física e a Biologia. Ela está presente em fenômenos como no apodrecimento de frutos, deterioração de alimentos, enferrujamento do ferro, assim como está presente na nossa saliva, na formação da coalhada, na respiração dos seres vivos, na produção de pão (farinha, fermento, água, sal e açúcar - durante a fermentação ocorre liberação de gás carbônico, por isso o pão cresce), na produção do vinho a partir da fermentação da uva, na produção de sabão etc. E claro que nestes exemplos, como você já ter evidenciado, a Física e a Biologia estão presentes, agindo conjuntamente em tais fenômenos.
A Biologia está na vida ao nosso redor. Está em nós quando nos alimentamos, respiramos, dormimos, geramos um novo ser, quando cheiramos uma flor, quando brincamos com um animalzinho... Está numa planta que nasce, numa flor que desabrocha, num pássaro que canta, enfim, está onde a vida se desenvolve! Ah! Já que falamos em natureza, nos exemplos dados, ficam registrados os versos de Diana Almeida (poetisa portuguesa) para ilustrar suas aulas.

NATUREZA



Adoro a tarde,
A noite,
O dia.
A natureza,
Os animais,
A fantasia.
O sopro do vento,
Dando empurrões ao mar.
O céu azul,
O sol brilhante.
E as crianças a brincar,
Respirando o ar puro,
Que a natureza não se cansa de lhes dar.


Pensamos que, ao conhecer o que essas ciências estudam, torna-se mais fácil compreender a importância do Ensino de Ciências para as crianças e, também, estabelecer quais são os objetivos fundamentais desse ensino. De uma forma bastante simples, Darcy Ribeiro (1989, p.5) registra o seguinte: ‘Acho que, desde a infância, é importante aprender Ciências. Se o ensino for bem feito, ajudará a criança a compreender o mundo em que da vive. A cultura projeta o futuro. A Ciência, quando tratada como cultura, imagina e projeta o futuro e cria as utopias. Então, é claro que ela é fundamental desde a infância”. Se bem feito, portanto, o ensino de Ciências possibilita que as crianças conheçam melhor suas relações com os demais seres vivos e, em conseqüência, conheçam melhor a si próprias; interpretem fenômenos que acontecem no meio ambiente e, sobretudo, saibam que são capazes de intervir nesse meio, consciência essa que abre caminho para que aprendam a viver com qualidade e dignidade.
A educação em Ciências Naturais é um componente fundamental na formação do cidadão contemporâneo. Para ser um bom educador em Ciências Naturais, o professor precisa ter uma cultura científica e um conhecimento didático que lhe possibilite planejar e conduzir boas situações de aprendizagem nessa área. O primeiro passo rumo a esse caminho deve ser o de buscar conteúdos dentro do mundo em que a criança brinca e vive que possam leva-la a construir os primeiros significados do mundo científico como base para novos conhecimentos que serão construídos ao longo de sua aprendizagem de Ciências.
Levando em conta esses avanços que a aprendizagem científica pode promover, é importante que, quando você tiver de selecionar e organizar conteúdos para trabalhar com seus alunos focalize, antes de tudo, o que de significativo o ensino da disciplina poderá trazer para a construção da identidade desses sujeitos e da cultura na qual se inserem. Um bom começo é considerar e valorizar o repertório de representações e explicações da realidade que as crianças trazem, representações que não podem ser deixadas de lado nos processos de ensino e de aprendizagem, pois são muito significativas para a formação dos conceitos científicos.
Como é possível constatar, os professores de Ciências têm sob a sua responsabilidade uma tarefa muito importante e desafiadora: construir socialmente o saber científico, desde a infância, colaborando para que as crianças aprendam a pensar de maneira lógica sobre os fatos e os fenômenos do seu dia-a-dia, assim como aprendam a resolver problemas práticos, desenvolvendo habilidades intelectuais valiosas para qualquer tipo de atividade, habilidades das quais possam se valer e as quais possam potencializar em qualquer lugar em que vivam. Não se trata, portanto, de apenas repassar conhecimentos à criança, mas buscar, de todas as formas, atingir a própria relação dela com a vida, com seu modo de agir, lidando com a compreensão que ela tem sobre por que está no mundo, um mundo que muda constantemente e cujas mudanças não chegam muitas vezes aos espaços educativos.
Sabendo o que precisa fazer, de início, você pode, então, relacionar, com mais segurança e determinação, os objetivos que pretende alcançar com o ensino da disciplina de Ciências. Indicamos alguns objetivos que consideramos prioritários para auxiliar na sua decisão sobre o que quer com o ensino de Ciências. Eles são dirigidos ao aluno. Ei-los:
a) explicar a natureza como um todo, como uma rede de relações dinâmicas, concebendo o homem como um ser integrante e capaz de representar o mundo em que vive e nele intervir;
b) identificar relações existentes entre a Ciência, a produção de tecnologia e o desenvolvimento das condições de vida no mundo de hoje e em sua evolução histórica;
c) contextualizar e formular problemas reais; propor soluções para tais problemas, colocando em prática, noções básicas, procedimentos e atitudes correspondentes;
d) participar do trabalho em grupo, interativamente, atuando de forma crítica, colaborativa e cooperativa na construção coletiva do conhecimento;
e) compreender a tecnologia como uma “ferramenta” importante para atender a necessidades humanas, sabendo que seus usos incorretos prejudicam o equilíbrio da relação entre a natureza e o homem.
Se tais objetivos forem perseguidos por você, a discussão que empreendemos até aqui foi proveitosa. Recomendamos, ainda, que, desde o início, você delineie os principais conteúdos de Ciências que deseja trabalhar com seus alunos, conteúdos que são importantes dentro do contexto da educação científica inicial e dentro do contexto de mundo em que seus alunos vivem.
Acentuamos essa preocupação porque as pessoas em geral têm dificuldades de aplicar ao seu dia-a-dia o conhecimento aprendido nas aulas de Ciências, não conseguindo, na grande maioria das vezes, interpretar fenômenos que estão relacionados diretamente com elas, a exemplo de alguma coisa que ocorra com seu corpo em relação ao meio ambiente - se, por exemplo, ingerir água contaminada, comer um alimento sem cuidados higiênicos ou contrair uma gripe após um banho de chuva. Além do mais, na falta dessa articulação entre a teoria e a prática, tais pessoas não conseguem acompanhar, muitas vezes, o próprio desenvolvimento científico e tecnológico que ocorre à sua volta e, muito menos, a interferência desse desenvolvimento na sua própria vida.
Levando em conta que as considerações feitas foram muito importantes, sugerimos que você as discuta mais intensamente com seus colegas e com todos os envolvidos no espaço educativo em que você atua, agindo como um grande disseminador das sementes que aqui jogamos e das provocações que fizemos para a promoção de um ensino de Ciências que efetivamente tenha valor formativo.
Nesta seção, reafirmamos que a questão fundamental que motivou este estudo é fazer você refletir sobre a necessidade de tornar o ensino de Ciências mais interessante, participativo e motivador para os seus alunos, sem perder de vista a perspectiva do desenvolvimento científico, a partir do ensino de noções de fácil compreensão, de práticas simples, descomplicadas, que podemos realizar com as crianças, dando os primeiros passos em busca dessa formação.
Questões comuns levadas à sala de aula podem tornar-se grandes questões, ajudando os estudantes a compreenderem o meio em que vivem e a procurar transformá-lo, a exemplo do estudo do bairro ou da comunidade, uma gota d’água que contribui para mudar a sociedade. Essa iniciativa, que não apresenta grandes dificuldades e pode motivar bastante os alunos, permite-lhes desenvolver muitas coisas, algumas de imediato, outras em longo prazo.
Dentre as grandes conquistas, podemos destacar a capacidade de observação e de pesquisa, desenvolvendo a consciência sobre a importância da preservação do meio ambiente e do respeito à natureza, integrando o homem no universo como ser vivo e como sujeito que nele intervém; a possibilidade de, ao estudar a vida, desenvolver a auto-estima e o respeito ao próprio corpo e ao dos outros; a valorização dos modos de intervir na natureza e de utilizar seus recursos conscientemente, identificando os recursos tecnológicos que possam realizar essas mediações e auxiliando no entendimento da qualidade de vida como um valor pessoal e social; a compreensão da sexualidade humana sem mitos e preconceitos; o desencadeamento de uma grande reflexão coletiva e de iniciativas de responsabilidade sobre questões éticas implícitas nas relações entre Ciência, sociedade e tecnologia.
A atividade que propomos que você faça, a seguir, tem, exatamente, este objetivo: integrar você neste grande projeto de que os conteúdos do ensino de Ciências sejam relevantes de um ponto de vista sociocultural, capacitando o aluno a se desenvolver como cidadão que compreende as relações entre homem e a natureza, entre ciência, sociedade e tecnologia, expressando essa
aprendizagem em suas ações cotidianas.

ATIVIDADE 1 - COMENTADA


1. Planejando o ensino de conteúdos de Ciências.

Levante qual o grande problema que você considera que está influenciando, de alguma forma, a qualidade de vida ambiental da comunidade escolar onde você atua. Com base nessa identificação, organize os conteúdos que precisariam ser trabalhados com as crianças com relação a essa questão, delimite os objetivos a serem alcançado e trace, objetivamente, iniciativas praticas que poderiam ser desenvolvidas com a comunidade e com as crianças numa tentativa de, se não resolver, pelo menos, minimizar a problemática existente.
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Comentário: ao realizar esta atividade, você perceberá que aprendizagem científica depende, em boa parte, da formação e da compreensão de noções e conceitos, sendo necessário cuidar para que sejam adequados, claros e distintos. Assim, o ato de ensinar é de imensa responsabilidade, cabendo ao professor orientar a aprendizagem, afinal é em grande parte por sua causa que os alunos passam a conhecer ou continuam a ignorar a Ciência. E necessário, ainda, fazer uma reflexão para decidir o quanto é preciso ensinar, como ordenar os assuntos tratados, de que maneira utilizar as atividades práticas e como proceder a uma avaliação justa e criteriosa do que foi aprendido. Essa atividade que propomos, se bem realizada, poderá ajudar o cidadão a se posicionar em relação a inúmeros problemas da vida moderna, como poluição, destino do lixo, recursos energéticos, reservas minerais, uso de matérias-primas, desmoronamentos, enchentes, fabricação e uso de inseticidas, pesticidas, adubos e agrotóxicos, fabricação e uso de medicamentos e muitos outros.

ATIVIDADE 2 - RESPONDA

1.    O que significa dizer que é preciso analisar e discutir criticamente os objetivos e a importância do ensino de ciências?
2.    Por que ensinar ciências no Ensino Fundamental?
3.    O que é a forma linear da construção dos conceitos curriculares? Qual sua implicação no processo ensino-aprendizagem?
4.    Quais as 3 grandes áreas das Ciências e seus respectivos focos de interesse?
5.    Cite aspectos do cotidiano em que vivenciamos diretamente a Biologia, a Química e a Física.
6.    De que modo é possível buscar conteúdos dentro do mundo em que a criança vive e brinca?
7.    O que caracteriza a construção do saber científico?
8.    Como romper com o distanciamento entre a teoria e a prática que se perpetua no ensino de ciências?


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