26/08/2014

SENSO COMUM E PENSAMENTO CIENTÍFICO

Material Extraído dos Cadernos Pedagógicos da UDESC
CONTEÚDO E METODOLOGIAS DO ENSINO DE CIÊNCIAS

Elaboração
Isabel Cristina da Cunha
Janice Miot Silva
Marise Borba da Silva
Colaboração
Maria Juliani Nesi

Florianópolis, junho de 2003.

CARACTERIZAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Objetivo específico: compreender as características do conhecimento científico e sua distinção do senso comum, bem como a influência das diferentes concepções na explicação dos fenômenos naturais.

RELAÇÃO EXISTENTE ENTRE SENSO COMUM E CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Objetivos específicos: relacionar critérios do senso comum e do conhecimento científico, isto é, características básicas que orientem sobre o que, a princípio, pode ou não ser classificado como um e outro; analisar uma determinada situação ou problema do dia-a-dia, indo além do saber imediato a respeito dela.
Fizemos uma boa caminhada até aqui, não é. Muito bem! Você aprendeu a importância de contextualizar melhor esse saber no seu percurso histórico, para apresentá-lo aos seus alunos, também, de forma contextualizada, tendo em vista que o conhecimento e um processo sempre em construção. O homem é um ser que faz questionamentos existenciais e que tem de interpretar a si e ao mundo em que vive, atribuindo-lhes significados, criando representações significativas da realidade e intervindo sobre ela, podendo lançar princípios explicativos que sirvam de base para a organização e a classificação dos elementos do seu mundo: esse processo caracteriza o conhecimento. Existem diferentes formas de conhecimento que partilham do papel de explicar a realidade. Vamos abordar duas delas, que nos interessam particularmente, quando tratamos de Ciência: o senso comum e o conhecimento científico.

Conhecimento do senso comum

Essa é a forma de conhecimento mais usual que o homem utiliza para interpretar a si mesmo, a seu mundo e ao universo como um todo, produzindo interpretações significativas. Podemos dizer que o senso comum é o modo comum, corrente e espontâneo de conhecer, adquirido no trato direto com as coisas e com os seres humanos; de outro modo, é o saber que prevalece em nossas vidas diárias, aquele que é sem comprovação ou estudo, sem a aplicação de um estudo (método) mais cuidadoso e sem reflexão sobre algo que é afirmado como verdade.
O senso comum surgiu como conseqüência da necessidade de resolver problemas imediatos que apareceram na vida prática do homem, decorrentes do contato direto com os fatos e com os fenômenos que aconteciam no seu dia-a-dia. Para que você entenda melhor, o senso comum tem sua origem a partir da observação da regularidade da ocorrência de certos fenômenos na natureza que acabam gerando um hábito de acreditar que, quando determinadas condições estão presentes, imediatamente, segue-se um evento a elas relacionado, geralmente aceito de modo acrítico, como se fosse uma lei natural das coisas. Dessa forma, o conhecimento em jogo limita-se ao fato isolado, sem a preocupação de o correlacionar com outros, ou de o explicar. Isso nos mostra por que, durante muito tempo, os homens acreditaram que o Sol girava em torno da Terra, que uma determinada raça era superior a outra, que os astros influenciavam a vida das pessoas etc, registrando uma postura dogmática diante da compreensão dos fenômenos.
Existem, ainda, muitas outras situações em que presenciamos o senso comum na vida diária, como por exemplo, nas informações assimiladas por tradição, nas explicações ingênuas” que são dadas, sem aplicação de método e sem a devida reflexão sobre algo. É importante você saber que essa incapacidade do senso comum de submeter-se a uma crítica sistemática, gerando interpretações sustentadas apenas nas crenças pessoais, torna-o um conhecimento subjetivo e inseguro, além do fato de que sua linguagem vaga, seu baixo poder de crítica e o desconhecimento dos limites de validade das suas crenças contribuem para a restrição desse tipo de conhecimento.

O conhecimento científico


O conhecimento científico surge da necessidade de o homem deixar de ocupar uma posição passiva em face dos fenômenos que o rodeiam, dinamizando sua racionalidade para, de uma forma sistemática, metódica e crítica, desvelar o mundo a fim de compreendê-lo, explicá-lo e dominá-lo.
A Ciência, muitas vezes, rompe com determinadas idéias do senso comum. Podemos dizer que esse saber representa a parte dinâmica do fenômeno que faz o conhecimento evoluir, ou seja, representa a fase construtora do conhecimento. O senso comum, por sua vez, representa a fase conservadora do conhecimento e, por isso, tem a característica de imobilidade, tendendo a se repetir em um ciclo fechado eternamente se não for fecundado pelo dinamismo evolutivo da ciência.
Feita essa comparação, torna-se mais evidente que o impulso do homem em direção à Ciência deve-se à necessidade de compreender a “rede de relações” que existe sob a aparência sensível dos objetos, fatos ou fenômenos. Essa rede, no entanto, não se mostra facilmente, o que pode deixar uma “porta” aberta para a retomada do conhecimento do senso comum. É preciso, assim, ir além da forma de ver a realidade imediatamente percebida, que necessita de princípios explicativos para servirem de base ao conhecimento da organização, da classificação e da ordenação da natureza, superando as contradições da atividade guiada pelo senso comum.
Você deve estar percebendo que a fronteira do senso comum com a Ciência é algo que queremos discutir neste Caderno! Nossa preocupação é que, no que diz respeito aos conteúdos de Ciências ensinados na escola, existe a idéia de uma significativa resistência por parte dos alunos em superarem o senso comum (que tem origem na sua própria vivência) e aplicarem, em seu dia-a-dia, explicações científicas frente à resolução de problemas propostos. O senso comum que estudamos impõe-se aos alunos como verdade à medida que não há suficiente reflexão sobre o que eles constroem na sua experiência cotidiana; essa realidade mostra muitos dos graves problemas de aprendizagem e de concepção dos alunos de todos os níveis não só da Educação Infantil e das Séries Iniciais - como também aponta a necessidade de superar essa situação. Essa superação só será possível quando professores e alunos romperem com a aceitação passiva e acrítica de tudo aquilo que lêem, vêem e ouvem, e passarem a “ler” o mundo de forma ativa e crítica.
Embora a atividade cognoscitiva na ciência e a experiência cotidiana se relacionem, não se pode analisar como iguais a qualidade do ponto de partida do conhecimento inicial e a do ponto de chegada (conhecimento científico). A observação inicial, por exemplo, que um menino faz de uma árvore sobre o fato de suas folhas caírem no inverno, a partir de seu conhecimento cotidiano, não será mais a mesma desde que ele passe a formular hipóteses, leis e teorias a respeito desse fenômeno. Segundo John McCarthy (apud, MARQUES,1999) as situações em que novos conhecimentos são gerados, levam-nos a refletir sobre a questão de onde acaba o “senso comum” e onde começa o “conhecimento científico”. Para pensarmos sobre o “lugar” que um e outro ocupa senso comum e conhecimento científico é importante lembrarmos que não é simples organização ou classificação dos fenômenos que caracteriza um conhecimento científico, mas sua organização e classificação sustentadas em princípios próprios da Ciência como forma especial de conhecimento.
O conhecimento científico é expresso sob a forma de enunciados que demonstram, experimentam e comprovam as condições que determinam a ocorrência dos fatos e dos fenômenos relacionados a um problema, tornando claras as relações e os sistemas de dependência que existem entre suas propriedades. Quando um meteorologista acompanha o movimento das massas de ar, com o uso de modernos computadores, fazendo registros como os de mudanças na temperatura e movimento das massas de ar, é possível prever para aonde elas vão, quando chegarão e, principalmente, quais serão as conseqüências de seu deslocamento.
Tal acompanhamento é feito com o auxílio de teorias, de instrumentos como o barômetro, o anemômetro, o cata-vento, a biruta, o pluviômetro e os satélites meteorológicos. As informações recebidas são processadas e discutidas, para, então, ser fornecido um boletim meteorológico. Como você vê, o conhecimento científico orienta-se, conscientemente, através da discussão objetiva e intersubjetiva sobre seus resultados, suas explicações, seus enunciados e suas teorias, por isso todas as teorias científicas têm um caráter provisório e podem modificar-se quando se encontram outras que explicam, de forma mais completa, o fenômeno ou os fenômenos. Assim também acontece quando o senso comum, ou outro tipo de conhecimento, por mais que tenha avançado, deixa de ser o fundamento pra a explicação de um determinado fenômeno, principalmente, quando a geração de novos conhecimentos marca o seu limite. É, portanto, fundamental que você reconheça a existência desses tipos de conhecimentos, que podem conviver lado a lado, podem estar presentes em todo o processo educativo.
Nossas crianças, desde a Educação Infantil, estabelecem um contato ainda muito elementar, nos termos da atividade cognoscitiva, com as coisas de seu mundo. Existe, ainda, uma indiferenciação significativa entre a vida psíquica e a física, ou seja, entre o que elas são e fazem e o mundo que as cerca. Afinal, trata-se de um contexto de relações iniciais, naturais, com o mundo que as crianças vivenciam. Exemplo disso é o fato de que nossos pequeninos, quando querem explicar um fenômeno, como a origem das plantas, não vão procurar respostas no “como” esse processo se dá, ou seja, na sua realização física, mas na “intenção”, no “por que é assim”, que subjaz à sua atividade inicial de conhecer, em face de suas primeiras impressões acerca da natureza, impressões orientadas por um pensamento muito mais sensório-motor que conceitual, assim como em decorrência da falta de critérios de distinção das coisas, o que mostra os limites precisos entre o “eu” e o “mundo”. A criança simplesmente poderá dizer que “quem fez as plantinhas foi o Papai-do-céu!” E terá dito tudo que sabe a respeito! Podemos dizer que o pensamento delas, nesse momento de suas vidas, evolui a partir de formas animistas na interpretação da realidade, procurando, no seu modo de ser ou na natureza, explicações para o que a cerca, animando os objetos inanimados para poder compreendê-los.
Assim, é compreensível que as crianças considerem como vivo e consciente um grande número de coisas que a rodeiam, por se basearem nos caracteres imediatos de sua própria atividade, não conseguindo, ainda, formular “nenhuma” teoria no sentido de uma explicação verbal, consciente, sistemática sobre os fatos e os fenômenos. Daí as crianças serem muito imaginativas! É natural, nesse caso, a indiferenciação entre coisas vivas e não-vivas - um conteúdo que precisa ser muito bem trabalhado desde a Educação Infantil e as Séries Inicias, pois, do contrário, serão profundas as marcas que essa lacuna vai deixar.
Muitos adolescentes e adultos apresentam, tanto na sua vida em geral quanto no cotidiano escolar, resquícios dessa ausência de aprendizagem, manifestando a indiferenciação do vivo e do não-vivo na sua iniciação científica, o que se revela em suas visões de mundo, julgamentos irreflexivos e nas explicações ingênuas que dão para determinados acontecimentos e fenômenos, entre outros comportamentos.
Certamente, na medida em que a criança vai crescendo, aprendendo e conhecendo novas coisas, ela gradativamente vai estabelecendo relações que antes não conseguia e vai mais longe, levantando questões mais ricas e apresentando soluções mais adequadas a essas mesmas coisas. Por essa razão, o educador precisa conhecer melhor e precisa respeitar os processos de desenvolvimento infantil, buscando criar, nas suas aulas, todas as condições possíveis para enriquecer as interações entre as crianças e os objetos que a cercam, introduzindo sempre elementos novos e fazendo referência ao que ela já domina, buscando superar características ilusórias na explicação dos fenômenos da natureza, noções confusas sobre os conteúdos de Ciências e demonstrações mágicas sobre os fenômenos naturais.
É possível deixar um grande legado à criança depois que concluir as Séries Inicias e progredir em seus estudos, se, com ela, tiverem sido trabalhadas noções elementares de Ciências Naturais, noções que vão servir de alicerce para a aprendizagem de conceitos científicos futuros. As situações vivenciadas no dia-a-dia, como brincar no escorregador, arrastas (gastar) a sola do calçado, esfregar as mãos uma na outra, deslizar o pé na calçada molhada, pegar em diferentes objetos e observar sua textura, cor, tamanho, forma, espessura etc, plantar flores ou verduras, falar de alguns animais e de seus hábitos, explicar o que é a chuva, por exemplo, podem contribuir para essa construção. Lembramos, nesse sentido, a grande contribuição de Paulo Freire quando nos ensina a relevância de considerar a realidade do aluno, realidade essa em que ele está presente corri toda sua história, da qual devemos partir e a qual devemos valorizar, assegurando a aquisição de novos conhecimentos e a transformação da realidade infantil.
Daí o papel da escola na promoção de condições para que os alunos avaliem, critiquem e avancem na construção do conhecimento científico, a partir da reestruturação das suas próprias representações, para que possam intervir conscientemente na sociedade.


ATIVIDADE 1 – COMENTADA

IDENTIFICANDO O SENSO COMUM E O CONHECIMENTO CIENTÍFICO

1. Vimos que conhecimento científico e senso comum são basicamente modos distintos mediante os quais interpretamos a nós mesmos e ao mundo em que vivemos. Para que você possa identificar com segurança cada um desses tipos de conhecimento, podendo traduzi-los em situações que, muitas vezes, vivenciamos, propomos a atividade a seguir. Para realizá-la, relacione o senso comum e o conhecimento científico, numerados com 1 e 2, com seus respectivos exemplos. Vamos lá!?

1) Conhecimento do senso comum
2) Conhecimento científico

(    ) Fumar induz ao surgimento de câncer nos pulmões.
(   ) Cabelos cortados na lua crescente crescem mais rápido do que quando cortados em outras luas.
(   ) Os relacionamentos humanos, na escola, tornam-se cada vez mais complexos e difíceis de controlar. A intimidade, por exemplo, vem gerando cada vez mais problemas de ordem sexual.
(   ) Nunca se deve observar o Sol diretamente, mesmo durante um eclipse parcial e, sobretudo, através de vidros solares, película fotográfica, dispositivo, radiografia etc., mas, imperativamente, deve-se usar óculos de proteção dotados de filtros especialmente concebidos para observar o Sol.
(  ) Só emagrece quem come pouco; portanto, para emagrecer, feche a boca.
(   ) O abacaxi é uma planta da família das bromeliáceas, caracterizada por escamas foliares exclusivas que têm a propriedade de reter água, e por flores regulares de três peças.

2. Refletindo, com Rubem Alves, sobre o senso comum e a ciência.

Registre, agora, em apenas cinco linhas, o que você entendeu pelo pensamento de Rubem Alves registrado a seguir:
“O senso comum e a Ciência são expressões da mesma necessidade básica, a necessidade de compreender o mundo, a fim de viver melhor e sobreviver. E, para aqueles que teriam a tendência de achar que o senso comum é inferior à ciência, eu só gostaria de lembrar que, por dezenas de milhares de anos, os homens sobreviveram sem coisa alguma que se assemelhasse à nossa ciência. A ciência, curiosamente, depois de cerca de quatro séculos, desde que ela surgiu com seus fundadores, está colocando sérias ameaças à nossa sobrevivência” (Rubem ALVES, 1992).
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Comentários: Atividade 1 - Se você colocou a numeração, na segunda coluna, de acordo com a seguinte ordem: (2) (1) (1) (2) (1) (2), muito bem! Você já faz uma boa relação entre os tipos de conhecimento estudados e suas manifestações, como nos exemplos dados. Parabéns! Se você não conseguiu estabelecer a relação, sugerimos que releia o assunto estudado e identifique suas dúvidas. V em frente! Se as dúvidas persistirem, procure a orientação do professor.
Atividade 2 - Essa atividade é uma proposta de reflexão. Dê asas ao seu pensamento! Destacamos que o pensamento de Rubem Alves é muito importante no nosso estudo. Nosso comentário das atividades também, um resumo d0 que foi estudado nesta seção e uma abertura à próxima. Queremos que você aprenda aqui também! Embora tenha ficado claro que a Ciência utiliza uma maneira de pensar e explicar o mundo natural que difere, em muitos pontos, do senso comum, este se presta para a maior parte das atividades humanas comuns. O senso comum não se vale de métodos de conhecimento ou de planos elaborados, como na Ciência, o que não significa que aconteça caoticamente; esse conhecimento tem fins próprios e, assim como a Ciência, está dirigido a separar e a estudar objetos reais, convertendo-os em objetos de conhecimento. Não podemos esquecer que foi por essa forma que, durante muitos e muitos anos, a humanidade acumulou e conheceu grande quantidade de objetos do mundo ao seu redor. O primeiro homem, ao perceber que o “fogo queimava”, fez uma observação científica, nascida do senso comum. Muitas descobertas do senso comum não só introduziram novos objetivos e fatos novos na investigação científica, como também se converteram em ponto de partida para elaboração de novos meios materiais de conhecimento, assim como de instrumentos e os objetos que resultaram dos conhecimentos acumulados a partir da drenagem agrícola, da caça, da pesca, das construções, da domesticação de animais etc. Podemos citar, também, o caso da erva-doce, que, após anos e anos de uso pela população, teve comprovadas suas propriedades terapêuticas, Resumindo, acreditamos que a ciência precisa estar sempre em contato com o senso comum, que é uma “ferramenta” apropriada para lidar com muitas das situações do dia-a-dia, mas não d conta de correlaciona-las com outras, ou de explicá-las, precisando da ciência.

Recadinho importante!

Se você compreendeu as considerações feitas por Rubem Alves, você já é capaz de reconhecer algumas características próprias da Ciência, que a diferem das outras áreas do conhecimento. No estudo que faremos a seguir, você verá que a Ciência permite maior avanço tecnológico, criando meios materiais de conhecimento, com o propósito de escudar objetos da natureza, o que possibilita o uso de estratégias extremamente avançadas. O que cabe ao homem, ao solucionar qualquer problema, é não só criar e aperfeiçoar aparelhos e instrumentos, mas, também, ao utilizá-los, observar as implicações da Ciência e da tecnologia, considerando os aspectos ético-legais e os valores morais relativos à sociedade, valores que permitam um bem coletivo não só geração atual, mas comprometido com as gerações futuras).

ATIVIDADE 2 – RESPONDA

1.    O que caracteriza o conhecimento em si?
2.    Produza uma tabela comparativa entre o senso comum e o conhecimento científico.


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